Princípios da Ciência dos Materiais

1: Introdução

A Ciência dos Materiais possui uma nomenclatura e conceitos próprios que permite a fácil comunicação entre seus profissionais. Conhecer tais conceitos e nomenclaturas é de grande importância para a compreensão mútua.

Nós apresentamos alguns destes conceitos a seguir com o intuito de permitir a comunicação nos níveis mais avançados do conhecimento da Ciência dos Materiais. Não se trata de decorar conceitos, mas sim de interná-los, de forma que estes sejam realmente compreendidos e que não seja apenas algo meramente decorado, sem a devida compreensão. Pois; se assim for, certamente todo o conteúdo cedo ou tarde será esquecido, conforme a curva do esquecimento.

Portanto; nós devemos buscar compreender os conceitos para que os fenômenos tenham clara explicação no decorrer deste texto. A sequência apresentada é didática e não alfabética.

Nós dividimos o estudo em duas etapas. Em um primeiro momento um estudo a partir dos conceitos químicos e, na sequência, um estudo focado na Ciência dos Materiais.

2: Conceitos Químicos

Seguem os conceitos químicos de relevância para a Ciência dos Materiais.

SUBSTÂNCIA PURA: É aquela cuja constituição química apresenta proporção constante em qualquer parte ou fração de volume avaliado e cuja temperatura de fusão e temperatura de ebulição se mantenham constantes durante toda a transformação.
Exemplos: Água, Cloreto de Sódio, Ácido Sulfúrico, Ferro puro.
Todos estes possuem Temperatura de Fusão e Ebulição inalterados durante a transformação.

MISTURA: É aquela cuja constituição química NÃO apresenta proporção constante em qualquer parte ou fração de volume avaliado e cuja temperatura de fusão e temperatura de ebulição NÃO se mantenham constantes durante toda a transformação. Toda mistura é constituída por Substâncias Puras agregadas.
Exemplos: Ar, Gasolina, Água e Óleo, Água e Sal, Água e Açúcar, Água e Álcool (exceção: azeotrópico).
A Temperatura de Fusão e Ebulição destes não é constante durante a transformação.

SISTEMA HOMOGÊNEO: Um Sistema é dito Homogêneo quando visualmente seu aspecto é uniforme. Substâncias Puras e Misturas podem ser Sistemas Homogêneos. Para isso deve-se preencher o único requisito que é manter uniformidade visual.
Exemplos de Sistema Homogêneo para Substâncias Puras: Água Líquida, Ferro puro.

Exemplos de Sistema Homogêneo para Misturas: Água e Sal, Água e Açúcar.

Importante notar que se a quantidade de soluto (sal ou açúcar) ultrapassar a solubilidade na água, estes precipitarão e deixarão de ser Sistemas Homogêneos e passarão a ser Sistemas Heterogêneos.

SISTEMA HETEROGÊNEO: Um Sistema é dito Heterogêneo quando visualmente seu aspecto não é uniforme, ou seja, é possível identificar uma superfície de separação. Substâncias Puras e Misturas podem ser Sistemas Heterogêneos. Para isso deve-se preencher o requisito que é apresentar superfície de separação.Exemplos de Sistema Heterogêneo para Substâncias Puras: Água Líquida e Gelo; Água Líquida e Vapor d’água.
Exemplos de Sistema Heterogêneo para Misturas: Água e Óleo; Água e Areia; Areia e Sal.

Quando a solubilidade de uma Mistura que é um Sistema Homogêneo for ultrapassada, tal Mistura deixa de ser um Sistema Homogêneo e assume a postura de um Sistema Heterogêno. Assim, Água e Sal; Água e Açúcar, quando os solutos (neste caso sal para o primeiro exemplo e açúcar para o segundo) ultrapassam o limite de solubilidade na água, estes precipitam e formam um Sistema Heterogêneo, devido à formação de uma nova Fase.

FASE: É toda porção uniforme e homogênea, visualmente distinta e devidamente delimitada quanto a sua extensão e com composição química definida e independente. Cada Fase possui sua ESTRUTURA HOMOGÊNEA e; portanto, é capaz de ser representada por um Arranjo Atômico INDEPENDENTE das demais Fases.

Toda Fase é fruto de um Sistema Heterogêneo, seja de uma Mistura ou Substância Pura. Este conceito é de suma importância para o profissional da Ciência dos Materiais. Importante destacar que alguns pesquisadores consideram a Substância Pura de Sistema Homogêneo como constituinte de uma única Fase.

No caso de Água e Gelo, existem 2 Fases presentes e cada qual possui suas características físicas independentes. Fácil de verificar a superfície de separação entre a Água e o Gelo, o que permite caracterizar as Fases presentes, já que esta é fruto do Sistema Heterogêneo.

Uma Liga metálica é constituída de Fases, ainda que estas só possam ser identificadas com o auxílio de microscópio. O microscópio permite identificar as distintas Fases as quais apresentam, de forma independente: 1 – Estrutura uniforme; 2 – Estrutura homogênea e constante; 3 – Visualmente distintas (com ou sem auxílio de microscópio); 4 – Com devida limitação de fronteira; 5 – Composição química distinta e independente.

Para o caso específico das Ligas Ferrosas tem-se 5 Fases: Ferrita, Austenita, Cementita, Grafita e Fase Líquida.

3: Conceitos aplicáveis à Ciência dos Materiais

MICROCONSTITUINTE: Microconstituintes são as Fases presentes. Cada microconstituinte possui uma (micro)estrutura característica, a qual é função destas Fases.

Para o caso específico das Ligas Ferrosas tem-se 3 Microconstituintes: Ferrita, Cementita e Perlita. Ferrita e Cementita, para o caso da Perlita; e Ferrita e Perlita para o caso da Ledeburita. Alguns pesquisadores afirmam que somente Ferrita e Cementita são Microconstituintes; pois, a Perlita é constituída de Ferrita e Cementita, não tendo sentido em classificá-la como Microconstituinte. Também afirma-se que a Grafita é um microconstituinte para o caso dos Ferros Fundidos Brancos.

MICROESTRUTURA: Microestrutura relaciona-se com as Fases presentes, qual a proporção destas e como é seu arranjo tridimensional. Suas características e propriedades são influenciados por: 1 – Elementos químicos presentes e suas concentrações e 2 – Tratamento Térmico realizado.

Importante salientar que a Microestrutura além de apontar as Fases presentes deve descrever a forma como estas Fases estão dispostas, ou seja, o arranjo tridimensional que assumem. Este arranjo é responsável pelas MUITAS variações das propriedades existesntes nas Ligas metálicas.

Para o caso específico das Ligas Ferrosas tem-se 6 Microestruturas principais: Perlita, Martensita, Martensita Revenida, Bainita, Esferoidita e Ledeburita. Pode-se ainda acrescentar a Sorbita e a Troostita, como microestruturas menos usuais dos Aços e a Steadita (Stead) para os Ferros Fundidos.

MISTURA SÓLIDA: É quando duas Fases sólidas devidamente arranjadas constituem uma Microestrutura. Para o caso específico de Ligas Ferrosas, a Perlita é um exemplo de Mistura Sólida. O mesmo pode ser afirmado para a Ledeburita.

INTERSTÍCIOS: Espaços existentes entre duas partículas atômicas e/ou moleculares. No caso das estruturas Cristalinas CCC e CFC, por exemplo, o PARÂMETRO DE REDE 0,68 e 0,74, respectivamente, é uma medida indireta dos Interstícios. É a região não ocupada por algo material; são; pois, espaços presentes nas Redes Cristalinas.

CÉLULA UNITÁRIA: É a menor representação por meio de um sólido geométrico capaz de reproduzir a totalidade do comportamento tridimensional de um sólido, chamado de Cristal.

GRÃOS: São constituídos por um conjunto de Células Unitárias em determinada direção as quais são delimitadas por outros conjuntos de Células Unitárias em outras direções. Assim, cada conjunto de Células Unitárias, em uma mesma direção constitui o que se chama de Grão.

tamanho de grão é fator importante para a determinação de uma microestrutura; portanto, sumamente importante para a obtenção de propriedades específicas.

ESTRUTURAS CRISTALINASÉ o Sólido Geométrico capaz de representar satisfatoriamente os posicionamentos (arranjos) atômicos tridimensionalmente. A Estruruta Cristalina mais importante para as Ligas Ferrosas é o CÚBICO, ainda que outras são passíveis de serem estudadas para estas ligas.

SISTEMAS CRISTALINOS: Sistemas Cristalinos são as várias formas de Sólidos Geométricos capazes de representar os Cristais. A totalidade das Estruturas Cristalinas constituem os Sistemas Cristalinos.

Estes representam os tipos de Sólidos Geométricos que conseguem representar os Cristais. Importante notar que se refere exclusivamente à geometria do sólido e nada informa sobre os posicionamentos dos núcleos atômicos.

Existem 7 Sistemas Cristalinos, são eles: 1 – Cúbico; 2 – Tetragonal; 3 – Ortorrômbico; 4 – Monoclínico; 5 – Triclínico; 6 – Hexagonal e 7 – Romboédrico.

RETICULADO CRISTALINO: É a sequencia de várias Células Unitárias, formando uma rede tridimensional de pequenos Cristais. Refere-se 1 – Ao tipo de sólido geométrico que o representa, o que se verifica pelo tipo de Estrutura Cristalina e 2 – Ao posicionamento relativo e (arranjo) tridimensional dos núcleos atômicos em um Cristal.

A soma destes fatores conferem e perfeita representação da Célula Unitária. Existem 14 Reticulados Cristalinos básicos, chamados de RETICULADOS DE BRAVAIS. São eles:

1 – Monoclínico Simples; 2 – Monoclínico de Faces Centradas; 3 – Triclínico; 4 – Hexagonal; 5 – Romboédrico; 6 – Ortorrômbico Simples; 7 – Ortorrômbico de Corpo Centrado; 8 – Ortorrômbico de Faces Centradas; 9 – Ortorrômbico de Faces Centradas na base; 10 – Cúbico Simples; 11 – Cúbico de Corpo Centrado; 12 – Cúbico de Faces Centradas; 13 – Tetragonal Simples e 14 – Tetragonal de Corpo Centrado.

CRISTAL: Um sólido que é uniforme tridimensionalmente. Pode ser representado por meio de um Reticulado Cristalino (e por uma Célula Unitária) o qual permite caracterizar o todo.

CONTORNOS DE GRÃO: Região limítrofe entre dois ou mais grãos. Neste ponto a energia presente é muito alta, o que é importante para as Transformações de Fases.

IMPERFEIÇÕES CRISTALINAS: São alterações que ocorrem dentro do Reticulado Cristalino. Tais Imperfeiçõs podem ser: 1 – Defeitos Pontuais; 2 – Defeitos de Linha e 3 – Imperfeições de Fronteira.

Com relação aos Defeitos Pontuais, tem-se: a) Vazios; b) Defeitos de Schottky; c) Defeitos Intersticiais e d) Defeito de Fenkel.

Já com relação aos Defeitos de Linha, o mais comum é a Discordância.

As Imperfeições de Fronteita emglobam, principalmente: a) Defeitos de Superfícies e b) Contornos de Grão.

SOLUÇÃO SÓLIDA INTERSTICIAL: Solução proveniente da inclusão ou entrada de um átomo de dimensões reduzidas que acomoda-se no interstício naturalmente existente em função da presença de átomos de dimensões maiores. É o caso do Carbono que se acomoda nos interstícios dos átomos de Ferro.

SOLUÇÃO SÓLIDA SUBSTITUCIONAL: É aquela onde um átomo qualquer substitui e se posiciona no lugar geométrico de outro átomo, causando alteração no Reticulado. É o caso do Latão, onde o átomo de Zinco facilmente substitui o átomo de Cobre dentro do Reticulado Cristalino. A substituição, na maioria das vezes é esperada.

IMPUREZA: É toda e qualquer inclusão atômica distinta que ocorra dentro do Reticulado Cristalino. A Solução Sólida Instersticial e a Solução Sólida Substitucional são exemplos de Impurezas. Entretanto, tais Impurezas, na maioria das vezes são esperadas e incentivadas a ocorrerem. Importante salientar que nem toda Impureza é esperada. Impurezas decorrentes dos processos Siderúrgicos, por exemplo, não são requeridas.

RECRISTALIZAÇÃO: É quando existe a formação de novos Cristais (novos Reticulados Cristalinos). Estes são obtidos através da formação de novos Grãos. Para alterar a forma original do Reticulado Cristalino, por meio da alteração do Grão, é necessário antes dissolver o soluto no solvente.

Em Ligas Ferrosas isso ocorre dissolvendo o Carbono no Ferro, o que acontece quando se atinge a Fase AUSTENITA. Uma vez que o soluto tenha se dissolvido no solvente, deve-se proceder o resfriamento.

Quando o resfriamento é LENTO obtém-se a formação de novos cristais, o que se chama de RECRISTALIZAÇÃO. Assim existe a formação de um novo Reticulado Cristalino e novos Grãos. Como a a velocidade de resfriamento foi lenta há tempo suficiente para que o soluto seja solubilizado no solvente.

Quando o resfriamento é RÁPIDO em vez de recristalizar ocorre a PRECIPITAÇÃO. Assim, o soluto fica precipitado ao fundo. Como a velocidade de resfriamento é rápida, não há tempo suficiente para que o soluto seja solubilizado no solvente.

Portanto; a velocidade de resfriamento é papel importante na obtenção de um tipo ou outro de microestrutura.

Nas Ligas Ferrosas algumas microestruturas são obtidas por meio da Recristalização e outras por meio da Precipitação. Esta última se dá quando o resfriamento é muito rápido, não havendo tempo para que o soluto se dissolva no solvente. É o caso da MARTENSITA.

ENCRUAMENTO: É o aumento da dureza, consequentemente redução da ductilidade em decorrência de trabalhos realizados a frio. Ocorre quando a liga é deformada plasticamente a frio causando movimentação de planos de imperfeições cristalinas – DISCORDÂNCIAS – os quais dificultam a movimentação natural dos demais planos atômicos. Essa dificuldade de movimentação, causada pela resistência no deslizamento dos planos atômicos, cria resistência à deformação, sendo percebido; portanto, como dureza na liga. Trabalhos a quente permitem reduzir o encruamento.

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