1: Como quis ser engenheiro
Não costumo escrever a respeito de minhas experiências profissionais, entretanto, vou fazer uma exceção e falar sobre um início. Creio que isso seja interessante e até inspirador aos estudantes de engenharia porque vou relatar algo que de fato aconteceu.
Decidi que queria ser engenheiro aos 6 anos de idade. Com essa idade não sabia muita coisa, o que inclui não saber o nome da profissão que eu queria seguir. Só sabia que queria saber construir carros e uma câmera de filmagem usada nas emissoras de televisão. Meu pai me disse que para isso tinha de ser engenheiro. E os anos confirmaram minhas ideias de criança, sou graduado em Engenharia Mecânica e Engenharia Eletricista, ambas na modalidade plena.
Assim, aos 6 anos de idade escolhi minha profissão. Entre meus 6 anos e os 12 realizei vários projetos. O primeiro foi um automóvel com 3 rodas. Descobri que não sabia como fazer o veículo manobrar, já que a terceira roda estava atrás. Isso me trouxe uma inquietude… “como poderia fazer um automóvel manobrar?“, me perguntava. Isso me fez olhar por baixo daqueles carrinhos de criança que temos que pedalar. Aí encontrei um mecanismo complicado (um quadrilátero articulado), que não sabia explicar, mas via que funcionava.
Outro projeto marcante da minha vida, por volta dos 8 anos foi instalar uma tomada. A ideia era simples: Pegar uma tomada e ligar nela uma lâmpada. Mesmo fazendo tudo certo a lâmpada não acendeu e após algum dia de muita investigação descobri que a tomada tinha que estar ligada à rede elétrica… nossa, que descoberta absurda foi essa pra mim!
E diante de tanta dificuldade, resolvi estudar, quando “crescesse” a fundo os fenômenos, de forma que eu mesmo fosse capaz de projetar o que eu quisesse. E assim foi, entrei para o nível superior para ser um Engenheiro com “E” maiúsculo. Alguém que pudesse e soubesse projetar. Esse foi o meu início.
2: A Graduação; desilusões e redescobertas
Comecei a primeira graduação (Engenharia Mecânica) novo, e novo me graduei. Quase não faltava. Gostava e gostei de quase todas as 40 disciplinas da grade, com exceção de duas disciplinas (não vou dizer quais). Aos poucos fui notando que não são todos os professores que sabiam conduzir um projeto. Sempre fui contra cálculos desnecessários que não conduziam a um fim, a um bem material concretizado.
Isso baixou minha guarda e me fez questionar se era isso o que eu queria fazer da minha vida. Não queria para mim ser um engenheiro de compra e venda, ou um engenheiro de manutenção preventiva ou mesmo preditiva. Queria ser um Engenheiro de Projeto, mas isso estava cada vez mais difícil de ver em meu futuro. Entretanto, me lembrava da frase que tem no livro do VAN VLACK, de Ciência dos Materiais, que dizia: “Aos futuros engenheiros“. Isso ainda me ajudava.
Pois bem, chegou o quarto ano e as coisas mudaram… muitos projetos e eu adorava! Foi difícil, mas foi muito bom. A chama reacendeu e entendi que depois da tempestade vem a bonança… vi que, até que enfim, sabia projetar.
3: Um projeto de climatização
Diploma na mão… saí pelo Brasil. Passei por alguns estados e cidades. Fui procurado para um projeto de climatização e outro de exaustão, em um restaurante de uma grande franquia. Esse restaurante estava em um shopping center de uma capital desse nosso Brasil.
Por uma série de problemas anteriores a mim, o proprietário queria uma solução para um projeto totalmente mal dimensionado. Recebi, de fontes seguras, que ele, o proprietário, estava meio de mau humor, por ter investido boa parte de dinheiro para um projeto malsucedido. E por isso ele queria ver se eu era bom. Para isso precisava responder à queima roupa: “Quantos BTU’s vou precisar para esse salão?“
A resposta tinha que ser direta, sem enrolação e certeira. Nada de uso de tabelas, de muitos cálculos. Naquela época não existiam planilhas eletrônicas ou celulares com app’s para fazer isso. Resolvi ousar e criei a minha própria solução.
4: A solução
Precisava ser inteligente, habilidoso e preciso. A resposta dada, não podia ser mudada. Não sabia de nenhuma informação do salão, as informações seriam dadas no momento do meu encontro com o proprietário. E nesse momento deveria dar a resposta final. Pois bem, o que eu fiz foi:
O primeiro foi escrever a equação do calor.
Via alguns problemas a solucionar. Lembrando que estava em meu início profissional e sair do acadêmico para o mundo profissional é um salto enorme, sobretudo, para quem se arrisca, se aventura em projetos. O mundo não perdoa erros de cálculo. Isso não era somente uma prova ou um trabalho. Era a vida real! Mas voltando… o primeiro erro que saltava aos olhos é que a equação tem como dimensão o JOULE [J] e BTU’s por hora é unidade de potência. Em outras palavras precisava transformar Joule em Watts… não sabia como, mas estava confiante de que seria capaz disso.
O segundo passo foi transformar massa em volume, o que é simples. A equação toma a seguinte forma:
A terceira etapa é desmembrar o volume em área do ambiente e altura do pé direito, que é a forma convencional de cálculo.
Até o momento só houve manejo algébrico. A etapa seguinte, a quarta, foi levantar os dados técnicos. Sabia que as propriedades que tinha que extrair era do ar e que essas propriedades variam com a temperatura e com a pressão. Entretanto tinha que pegar um valor médio, afinal, tudo isso é uma aproximação. Logo, obtive o seguinte:
Assim, a equação toma a forma:
Agora restavam três etapas. A primeira era definir uma variação de temperatura padrão. A segunda era transformar Joules em Watts. E a terceira era transformar Watts em BTUS’s por hora. Fora isso deveria testar “meu invento” para ver se condizia com a realidade.
Como variação de temperatura utilizei 18º C; sendo o resultado de 40 – 22. Assim, a equação toma a seguinte forma:
O passo derradeiro era como transformar Joules em Watts. Nos exercícios em aula as coisas eram diferentes, mas tinha que saber solucionar isso. Me recordei de uma Tabela quando estudava Sistemas de Exaustão e recordava de que a quantidade de ar renovado era de 6-20 vezes por hora. Ora (desculpe o trocadilho), era isso que procurava. Fui confirmar a informação e sim, a quantidade que encontrei para salões no geral, quando em um projeto de climatização de ambientes foi de 10 renovações por hora. Assim, a equação passa do Joule para o Watt, após alguns acertos de unidades. Assim, a equação fica da seguinte forma:
O próximo passo é transformar hora para segundos. Uma hora tem 3600 segundos. Assim, a equação toma a forma em Watts.
Quase no fim… agora basta multiplicar por 3,4141 que permite transformar Watts para BTUS’s por hora. Logo, nossa equação final fica:
Fazendo os cálculos a equação toma sua forma reduzida.
Essa equação foi testada e funcionou! Sabendo-se que cada 1 m² necessita de 600 BTU/h, com um pé direito de 3 metros, esse padrão, consegui verificar a funcionalidade da equação. Na maioria das planilhas disponíveis de forma online, que consideram do ambiente apenas a área em m² e toma como padrão, de forma subentendida, o pé direito de 3 metros e uma variação térmica de 18ºC; essa equação corresponde, aproximadamente, com o mesmo valor.
Entretanto, a equação fica mais prática quando N, que é o número de trocas de ar por hora, fica explícito. No geral, usa-se 10, entretanto, melhor deixar explícito. O mesmo para a variação térmica.
O índice 1,1494 é o resultado de:
Assim, com a equação da Potência Térmica que deduzi, fiz a verificação e vi que estava em conformidade para qualquer caso de A e h. Agora estava pronto para ganhar aquele projeto. Sabia que para cada pessoa, acrescenta-se 600 BTU/hora. E para os equipamentos eletrônicos, basta transformar a potência em Watts para BTU/hora. Ou seja, essas duas parcelas eram mais tranquilas. A exposição ao sol não fez parte desta aproximação.
5: A conquista
Dia marcado, saí cedo porque a reunião foi marcada às 08:00 horas da manhã. Lá chegando fui interrogado à queima roupa e ao saber as dimensões do salão fiz o cálculo em não mais que 15 segundos, já considerando a quantidade limite de pessoas. Passei a resposta, e me lembro que a resposta final dava 54.000 BTU’s/hora. O projeto errado antes realizado foi algo em torno de 30.000 BTU’s/hora.
O proprietário pediu para eu explicar como cheguei a esse valor, e expliquei que foi a partir do volume do salão e da quantidade de pessoas. Fez algumas perguntas e respondi todas sem titubear. Ao final ele disse: O PROJETO É SEU!
Nesse dia saí do local e lembrei do meu primeiro projeto de automóvel e do meu projeto de instalação de tomada… lembrava dos “amiguinhos” dizendo que para construir um carro ou uma câmera teria que estudar muito e que eu nunca conseguiria isso… lembrei de tudo que via na faculdade, as alegrias e decepções… lembrei do apoio da minha família e saí com o coração em festa daquele local… vivia uma festa da alma. E em êxtase, disse a mim mesmo, meio que rindo e quase chorando: Sou um Engenheiro Projetista! Eu consegui… Pode parecer um pouco piegas… para os que lêem é uma estória, mas para mim a recordação de um sonho realizado… uma grande conquista!
Texto dedicado como motivação aos estudantes de engenharia que projetam (desculpem o trocadilho, não pude evitar), ser Engenheiros Projetistas! O caminho é longo, mas a vitória é possível. O que foi transcrito aqui é verdadeiro!
Para terminar deixo a equação completa. Onde P é o número de pessoas e a somatória faz referência às potências dos equipamentos em Watts.